POEMAS DIVERSOS

«...Nada importa porque continuamos vivos.» (Luis Garcia Montero)

 

 

 

EGITO GONÇALVES: «Poemas Políticos, 1952-1979»

Escolha

 

 

 

 

«Por aqui andamos a morder as palavras

dia a dia no tédio dos cafés

por aqui andaremos até quando

a fabricar tempestades particulares

a escrever poemas com as unhas à mostra

e uma faca de gelo nas espáduas

por aqui continuamos ácidos cortantes

a rugir quotidianamente até ao limite da respiração

enquanto os corações se vão enchendo de areia

lentamente

lentamente.»

 

Colecção CÍRCULO DE POESIA

MORAES EDITORES

Prefácio de Maria da Glória Padrão

Lisboa, 1980

 

 

 

FRIENDS OF ELIE WIESEL

Sobre uma fotografia de Henri Miller

Buchenwald, 1945

 

 

 

 

 

 

 

Quando as tropas americanas entraram no «pequeno campo de Buchenwald», a 11 de Abril de 1945, o general Eisenhower lembrou-se de pedir a alguns fotógrafos do seu exército para registarem, com as suas máquinas de bolso, os rostos dos prisioneiros esquecidos nos corredores da morte. A mais célebre fotografia do Yad Vashem, o memorial israelita do Holocausto, foi tirada no dia seguinte, por um tal Henri Miller (de que se perdeu o rasto), porque Eisenhower estava convencido que o mundo precisava de provas visuais para acreditar no que via. Com apenas 16 anos, o jovem Elie, que para ali tinha sido transferido pouco antes com o pai (que entretanto faleceu) directamente de Auschwitz, era um dos sobreviventes, corpos esqueléticos, minados pelo tifo e roídos pelos vermes, carecidos duma última compaixão, talvez o lugar dos três mil cadáveres descarnados que apodreciam nas fossas do anexo Ohrdruf. «Eu sou este», diz Elie Wiesel, apontando para o sétimo a contar da esquerda na segunda tarimba.

 

A fotografia só veio a público nos anos 80, através do «New York Times», e lembrou ao Nobel da Paz uma tal ausência de tudo que quase se envergonhou de ter sobrevivido. «Será que o rosto que eu aqui vejo ainda vive em mim? Penso que o verdadeiro Elie Wiesel, aquele que viu a verdade nua, abrasadora, é aquele. (...)Não gostaria que ele me renegasse...»

SEGUNDO A REPORTAGEM DE MARIE-MONIQUE ROBIN/CAPA

 

 

 

«VAI-TE, SATANÁS!»

Polónia, Maio de 1988

 

 

 

 

 

 

 

O capelão de Nowa Huta, padre Jancarz, saltou de noite o muro das indústrias metalúrgicas locais, em greve, para celebrar a habitual missa do 1º de Maio, tendo de se confrontar com as autoridades militares, presentes na Administração polaca desde a implantação da Lei Marcial, logo após o verão quente de 1980. Na expectativa do ressurgimento do Solidariedade de Walesa contra os brutais aumentos da inflação (40% para os bens de consumo e 100% para a energia), os grevistas preparavam-se para uma resposta pela força por parte do regime do general Jaruzelski. «Uma reacção do Governo... poderá provocar uma explosão», garantia Jacek Kuron, uma das mais destacadas figuras da oposição. «(...)Seria como semear o vento».

SEGUNDO A REPORTAGEM DE SANTOS PEREIRA/EXPRESSO Foto: Associated Press

 

 

 

«himmler!»

August Hirt, Victor Braque, Adolf Eichmann

 

 

 

 

 

 

 

 

AUGUST HIRT, VICTOR BRACK e ADOLPH EICHMANN. Três figuras sinistras do regime nazi aos serviço de Himmler. O professor Hirt destacou-se no campo de concentração de Natzweiler, onde efectuou as mais atrozes experiências médicas com a iperite. Segundo se sabe, desapareceu depois da guerra sem deixar rasto. Brack, médico e dirigente das SS, foi um modelo de eficácia profissional ao serviço da intolerância alemã. Ficou conhecido pela máxima que habitualmente utilizava para justificar a atrocidade das suas experiências: «guerra é guerra». Eichmann celebrizou-se como um dos mentores da «solução final», ao ponto de figurar o seu nome numa das «salas de fumo» de Auschwitz. Foi detectado a 20 de Março de 1960, na rua Garibaldi, em Buenos Aires, quando regressava a casa com um ramo de flores para oferecer à sua mulher nos 25 anos de casado, e capturado pouco tempo depois. Curiosamente, Eichmann atribuiu a um dos seus filhos o nome que adoptou na clandestinidade: Ricardo. Em 1995, Ricardo Eichmann, de 40 anos, professor de arqueologia na Universidade de Tobingen, na Alemanha, encontrou-se numa das salas do Hotel Hilton, em Londres, com Zvi A'haroni, o ex-agente da Mossad que esteve envolvido no rapto do seu pai 35 anos antes).

 

 

 

UNTERMENSCH/Langthaler!

Varsóvia, 1943

 

 

 

 

 

 

 

UNTERMENSCH=«sub-humano». Designação por que eram conhecidos os judeus condenados a trabalhos forçados nos campos de concentração nazis.

LANGTHALER=Nome do camponês que se tornou conhecido por ter protegido da polícia de Hitler dois «untermensch» que fugiram do Bloco B da famosa prisão de Mauthausen, em Fevereiro de 1945.

 

 

 

UM CONTO DE MICHEL TOURNIER

O Enigma de Deus

 

 

 

Quando Gagarine, o primeiro homem a ir para o espaço, voltou à Terra, foi primeiro recebido por Kroutchov, o mais alto responsável soviético. Este perguntou-lhe:

— Camarada, estiveste no céu?

— Estive — respondeu-lhe.

— Então, sempre viste que Deus não existe!

— Ele estava lá — retorquiu Gagarine. — Eu vi-o, com a sua grande barba, sentado numa poltrona de nuvens.

— Já suspeitava — disse Kroutchov. — Sempre achei que, no fundo, quem tinha razão eram os Papas e que o materialismo e o marxismo eram um disparate. É terrível! A URSS está perdida. A não ser que te cales. Jura-me pelo que tens de mais precioso, que não dirás nunca que Deus existe.

 

Gagarine jurou, depois correu mundo, foi recebido por chefes de Estado, e chegou ao Vaticano. O Papa chamou-o à parte.

— Diz-me, meu filho, foste ao céu? — perguntou-lhe.

— Fui — respondeu.

— Então, viste lá Deus?

Gagarine lembrou-se do juramento e disse:

— Deus não existe.

— Já suspeitava — comentou o Papa. — Sempre achei que ele não existia e que a religião é uma fantasmagoria...

MICHEL TOURNIER SEGUNDO UM FILME DE MAX ARMAMET

 

 

 

MOCIDADE PORTUGUESA

Da série «The Victims Of The XXth Century»

 

ANTERO DE ALDA

Acrílico s/ tela com impressão serigráfica (130x140cm)

Da série «The Victims Of The XXth Century»

 

No meio dos destroços, ouvia-se o choro de uma criança. Era uma menina e não devia ter mais de cinco anos de idade. Lembra-se que discutiram: «O que é que se faz à miúda? Leva-se, não se leva?»

Durante algum tempo, ainda foi ao colo e às costas de uns tantos. Mas os soldados estavam cansados e ela chorava, gritava, não se calava. Sabe que lhe bateram... Mas ninguém conseguia resolver nada e uma coisa era certa: ela estava a pôr em perigo, pelo barulho que fazia, a posição deles. Tinha que se tomar uma atitude, acabar de vez com aquilo. Já há muito que alguns insistiam: «Mata-se». Foi um furriel que a degolou com uma catana.

 

 

 

GORBATCHOV BY WHAROL

Da série «The Victims Of The XXth Century»

 

ANTERO DE ALDA

Spray acrílico s/ tela com impressão serigráfica (190x120cm)

 

«Na cadeia de Huntsville há condenados fiéis a Noriega

que fumam grandes charutos oferecidos por Fidel Castro via Nicarágua,

e nas ruas de Washington espalham-se todos os fins-de-semana

retratos coloridos de Gorbatchov

como num quadro de Warhol...»

O Século C.N.A.

 

 

 

GARRAFAS

Da série «The Victims Of The XXth Century»

 

ANTERO DE ALDA

Objectos: 1100 garrafas com etiquetas originais, numeradas em séries de 11

 

 

 

FÓSFOROS

Objectos (In)consumíveis

 

ANTERO DE ALDA

Objectos: 20 mil caixas de fósforos com grafismos originais, 1988.

Apoio: Fosforeira Portuguesa

Galeria principal da Cooperativa Árvore, Porto (exposição individual), 1989.

 

 

 

 

FOTOPOEMA

Poemas de Ele-Mesmo (homenagem a Alberto Caeiro)

 

ANTERO DE ALDA

Instalação: relógio + livro + fotografia, 1982.

 O homem, guardião da exposição, contou-me mais tarde o quanto lhe custou habituar-se ao cantar do cuco,

hora após hora, dia após dia, do relógio ao lado do retrato daquela rapariga triste, a Ofelinha, namorada de Fernando Pessoa.

III Bienal Internacional de Vila Nova de Cerveira (catálogo), 1982.

 

DESENHO

Marguerite Duras

 

ANTERO DE ALDA

Desenho a esferográfica (21x29,7cm), 1984.

 

 

 

POESIA