Torricelli, Pascal,
Hobbes, razão, utopia e
claustrofobia
FREDDIE MERCURY
(1991).
frame Youtube Brian May and Roger Taylor on Freddie Mercury's Last Days
BBC documentary Queen: Days Of Our Lives
Para cristãos e islamitas, São Gabriel
é conhecido das sagradas escrituras por ser um dos mensageiros da
primeira hierarquia de principados, anjos e arcanjos, a quem Deus
confiou a extraordinária missão das revelações consideradas «para
além da compreensão humana.»
Pascal, dado a milagres e
também a algumas famosas revelações, desenvolveu estudos com sifões,
tubos e foles de diferentes formas e tamanhos, sobre vácuo e pressão
atmosférica, refutando o método racional cartesiano e antiquíssimas
teorias aristotélicas sobre o conceito de horror ao vazio.
Torricelli, que estudou com Galileu, inventou o
"princípio do barómetro" (o tubo de Torricelli, ou o vácuo
de Torricelli), que de alguma coisa lhe serviu para anunciar uma
estranha fórmula matemática que nos leva a acreditar que um certo
sólido, sob o movimento de rotação de uma curva em torno
do eixo da sua abcissa, pode ter
volume finito dentro de uma área superficial teoricamente infinita
(quer isto dizer que conseguiremos encher esse sólido com pouco mais de
três unidades cúbicas de tinta, mas não teremos tinta suficiente
para pintar a totalidade da sua superfície).
Eis a
Trombeta de Torricelli, também conhecida por Trombeta de Gabriel: o
prodigioso instrumento de que se serviu o Arcanjo para essa
extraordinária missão de revelar o que está
«para além da compreensão humana.»
«A nossa pálida razão esconde-nos o infinito.»
RIMBAUD
Pascal disse: há razões que a razão desconhece
(ou «o último esforço da razão é reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a ultrapassam»). Torricelli,
em quem Pascal se inspirou,
saberia já que existem maravilhas que se
escondem no vácuo, no buraco negro por detrás das estrelas do
universo ou na ponta da trombeta onde residem todas as coisas com que
sonhamos e que são infinitamente mais e maiores do que as coisas que nos são
permitidas realizar.
«Nenhum homem pode imaginar o infinito.»
HOBBES
Por fim, Thomas Hobbes, metade matéria
e metade medo (consta que a sua mãe terá entrado prematuramente em
trabalho de parto com medo da Invencível Armada espanhola), manteve
com Torricelli e Pascal uma polémica indecifrável, que teve o mérito
de relacionar em definitivo Deus com o infinito: o infinito não existe
(não há corpos celestes incorruptíveis — disse), pelo que Deus
existe apenas através das nossas representações.
Estamos sós e aprisionados, portanto. Eis
porque a utopia (ou «o que está para além da compreensão humana»)
pode transformar-se muitas vezes numa dolorosa experiência de
claustrofobia...