sombras
[ dois poemas de José Gomes Ferreira ]
14 de Fevereiro
mesmo nas ausências do corpo resiste o desenho de sombras

José Gomes Ferreira
foto DIÁRIO DE NOTÍCIAS/arquivo
1.
Se eu pudesse iluminar por dentro as
palavras
de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater
do
coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos
mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.
Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
— mas o desejo de ser a noite que me guias
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.
Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.
Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva.
2.
(Finjo que não vejo as mulheres que passam,
mas vejo)
De súbito, o diabinho que me dançava
nos olhos,
mal viu a menina atravessar a rua,
saltou num ímpeto de besouro
e despiu-a toda...
E a Que-Sempre-Tanto-Se-Recata
ficou nua,
sonambulamente nua,
com um seio de ouro
e outro de prata.
JGF

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