silêncio(s) ainda...
e
uma canção de
enlouquecer
[ Sylvia Plath ]
«A vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor.»
Isto, disse hoje [ 21 de Fevereiro de 2014 ] o líder parlamentar do maior partido no poder, a
propósito deste Portugal silenciado, onde a conjugação entre cortes
nos salários e aumento dos impostos retirou uma média de 30% do
rendimento das famílias nos últimos dois anos, onde quase dois
milhões de pessoas vivem com menos de 400 euros por mês, onde cerca
de 800 mil pessoas estão desempregadas e cerca de 200 mil
pessoas foram obrigadas a emigrar...
Por esta altura, também os barulhentos líderes da
União Europeia, dos Estados Unidos da América, da Alemanha e da
França estão preocupados com o sangue derramado (a pobreza?) na Ucrânia. Como
explicar o silêncio de toda esta gente perante as manifestações dos
indignados de Wall Street,
da Puerta del Sol, da Praça Syntagma,
dos Champs-Élysées, da Via del Parlamento, da Avenida da Liberdade?
Já se esqueceram de Christoulas, que se suicidou
à frente do parlamento da Grécia por
não ter dinheiro para viver condignamente?
Daqui a dez anos, os líderes da União Europeia, dos
Estados Unidos da América, da França e da Alemanha, escancarando as
suas portas giratórias aos donos do Goldman Sachs, da Lafarge, da Philips, da British Petroleum,
da Volvo, da Fiat, da Siemens e da Nestlé hão-de reunir-se silenciosamente em Kiev,
na poderosa mesa redonda dos capitalistas, e dirão,
ainda: «A vida dos ucranianos não está melhor, mas a Ucrânia está muito melhor...»

Os abusadores das portas giratórias
frames do filme The Brussels Business (2012).
Não existe nenhuma noite para nos
afogarmos...
Irmãs, a vossa canção
traz uma carga demasiado pesada
para ser escutada pelas espirais do ouvido,
aqui, num país onde um sensato
senhor governa equilibradamente.
(...)
Pior ainda que esta canção de enlouquecer
é o vosso silêncio.
SYLVIA
PLATH
Lorelei
Trad. Maria de Lourdes Guimarães
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"os abusadores das portas giratórias"
Recomenda-se vivamente o visionamento do documentário Os Negócios
de Bruxelas, (The Brussels Business, 2012), de Friedrich Moser e Matthieu Lietaert,
sobre os lóbis da União Europeia e os secretos desígnios da
«indústria competitiva», do «mercado aberto», da «competição
transfronteiriça» e do «alargamento» (citações dos relatórios
da ERT- European Round Table of Industrialists, outrora liderada pelos senhores
Jérôme Monod, do Crédit Lyonnais, Pehr Gustaf Gyllenhammar, da Volvo, e Wisse Dekker,
da Philips). Alguém acredita que esta gente está realmente
interessada no direito à liberdade dos ucranianos? Estarão os
ucranianos condenados a morrer, como nós, livres por dentro e presos por fora?

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