silêncio(s)
como uma pedra
imensa
[ José Agostinho
Baptista ]
[ 18 de Fevereiro de 2014 ] O céu de Kiev está em
chamas. Depois de décadas e décadas de esquecimento, os ucranianos querem conhecer outra liberdade...
Como diria Orwell em The Road to Wigan Pier, é preciso experimentar o imperialismo (ou o
socialismo) para poder odiá-lo.
Continuam no Brasil as manifestações contra o
espectáculo mediático do Mundial de Futebol. Não porque os mundiais
de futebol, em si mesmos, sejam prejudiciais, mas porque aos
brasileiros faz mais falta a água, a luz, dinheiro para pagar os
impostos, os medicamentos e os transportes. Quer isto dizer que
vivemos hoje um estranho conflito entre o barulho das máquinas, da
televisão, dos jornais, do Facebook... e a realidade quotidiana
quase afónica, despojada do essencial. Mas, de que nos servem as máquinas, a televisão, os jornais e o Facebook,
quando não nos revelam senão essa mesma ausência de Deus, o mesmo niilismo deprimente que ressoa da nossa condição de eternos pobres, escravos do trabalho, dos altos preços da água e da luz, dos
negócios dos monopólios e da hipocrisia do poder?
Talvez um dia seja
possível sobrepor ao barulho enganador das máquinas (as odiáveis máquinas da
civilização, segundo Orwell) o silêncio genuíno da dor e do queixume de
brasileiros, e ucranianos, e chineses, e portugueses, e espanhóis, e
russos, e americanos...

foto: BILL BRANDT Coal searcher going home to Jarrow 1937.
1.
E tudo se resumiu à evidência do pó.
Uma lenda, um ofício, uma teia de
apertadas mágoas que nunca mais
deixará passar a luz.
A tua luz, sol, lua ou juvenil chama dos
campos livres,
apagou-se violentamente.
Nos aquários da noite caiu uma estrela.
O mundo caiu sobre os teus ombros.
2.
Uma noite,
quando o mundo já era muito triste,
veio um pássaro da chuva e entrou no
teu peito,
e aí, como um queixume,
ouviu-se essa voz de dor que já era a tua
voz,
como um metal fino,
uma lâmina no coração dos pássaros.
Agora,
nem o vento move as cortinas desta casa.
O silêncio é como uma pedra imensa,
encostada à garganta.
JOSÉ
AGOSTINHO
BAPTISTA
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Bill Brandt vs. George Orwell

Diversas edições do livro The Road to Wigan Pier, de George Orwell, foram inspiradas na fotografia do mineiro de carvão de Jarrow, de Bill Brandt, e ambos datam de 1937. À sua maneira, em
The Road to Wigan Pier, Orwell dá voz aos mineiros esquecidos dos
condados de Lancashire e Yorkshire (Leeds, Sheffield, Barnsley, Manchester, Derbyshire, Wigan, Preston, Liverpool...), também eles enterrados vivos,
há já muito tempo, pelas hordas panfletárias de socialistas e imperialistas...

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