schadenfreude
[ capitalismo e inveja ]
Quando um primeiro-ministro tem que usar a porta das
traseiras é porque não merece a confiança do seu povo. Mas, que dizer de um povo que vive abaixo da sua
inteligência?
Ainda Juan Gelman e essa «felicidade de andarmos tão infelizes»
(porque, se calhar, todos jogamos com a morte...)
O capitalismo é uma máquina poderosa: tanto provoca
o desejo como fabrica inimigos. O desejo leva à
cobiça («eu quero o que o outro tem!»), e os inimigos vêm da
inveja («na verdade, o que eu quero é que o outro não tenha...»)
Todos (desde crianças, porque muito cedo desenvolvemos o sentimento
de prazer na posse) somos filhos do capitalismo, porque olhamos o
mundo como objecto da nossa conquista. E, mais do que preocuparmo-nos
com os outros e em
manter amizades veneráveis (porque os outros nos suscitam respeito ou
simplesmente porque são parceiros no nosso negócio), destruímo-los
enquanto potenciais concorrentes.
Condenados a esta ditadura mortal de
presumirmos superioridade ou sublimarmos inferioridade, temos que
aprender a deixar de ser felizes com a infelicidade daqueles que nos
estão mais próximos...

foto DIANE ARBUS, Child with toy hand grenade, NY
Central Park, 1962.
schadenfreude e a Alemanha: o complexo de
inferioridade 1

UE — Wolfgang Schuble lava-pés, 2012.
ANTERO DE ALDA
Da série Videografias do Lixo Pós-Moderno
1
Nietzsche supõe que sentimentos de inferioridade intensificam o
schadenfreude
schadenfreude e a concorrência: o teu produto não é tão
bom como o meu 2
2
Ou:
a tua empresa tem
menos lucros do que a
minha
schadenfreude e o povo:
eu estou mal, mas sou feliz porque tu estás
pior do que eu...3
3
A civilização actual continuamente priva os seus consumidores do que continuamente lhes promete, assim diziam Adorno e Horkheimer.
_______
"schadenfreude"
Schadenfreude é uma palavra de origem alemã resultante
da associação entre schaden (prejuízo) e freude (alegria), que se aplica quando alguém obtém prazer com
a desgraça dos
outros.
Conhecidas teorias da psicologia social (Teoria da Comparação Social:
A theory of social comparison processes, Leon Festinger, EUA,
1954) identificam o conceito de schadenfreude como a
tendência comum para classificarmos os nossos desejos e as nossas
opiniões através da comparação que fazemos com os nossos vizinhos,
querendo dizer: a ordem social do mundo não é determinada pelo
altruísmo, mas antes por uma vontade guerreira de aniquilar aqueles
que concorrem com a nossa felicidade.
Naturalmente, outras teorias entendem que esta visão do mundo limita a
inteligência (e a liberdade) de cada um.
"complexo de inferioridade"
Há ainda teorias (Roger Brown, Social
Psychology, EUA, 1965) que identificam uma espécie de psicologia
social nazi baseada na sublimação (O tipo oposto: Der Geqentypus, Erich Rudolf Jaensch,
Alemanha, 1938) com a tendência para sustentar que autoritarismo não
é mais do que estabilidade, individualismo é firmeza, egoísmo é
auto-confiança, desvio é conversão corajosa... Assim se compreenderá
que para os poderosos (que em boa verdade são mais do tipo avareza:
«eu sou mais rico do que tu» ou
«a minha empresa tem mais lucros do que a tua»), a inveja é o que move os mais
fracos.
No dia em que o primeiro-ministro português, de visita a uma fábrica
de chocolates, teve de entrar pela porta das traseiras para fugir
dos invejosos que o elegeram...
Post Scriptum 1 — Hoje [15 de Setembro] deu-se em Portugal a maior
manifestação de sempre, convocada através do Facebook, contra a
austeridade. Mas porque será que a austeridade só chegou ao Facebook
um ano depois de ter chegado aos funcionários públicos?
Post Scriptum 2 — Hoje [20 de Setembro] o governo português recuou
no aumento de impostos que levou à manifestação do dia 15,
garantindo que a medida só se aplica a quem ganha mais de 700
euros/mês. Quer dizer: uma nova manifestação convocada através do
Facebook já não voltará a mobilizar 1 milhão de pessoas... e mais
uma vez quem vai ter que pagar a crise é a classe média.
Post Scriptum 3 — Hoje [21 de Setembro] quem gritou «Acordai»
à frente da residência oficial do presidente da República foi a
classe média, não foi o povo: na verdade, o povo não poderia gritar
«Acordai» porque o povo não sabe quem é José Gomes Ferreira e
muito menos Fernando Lopes-Graça. Grita-se hoje «Acordai» neste
país (também) porque a maior pobreza deste país é isso mesmo: a
pobreza de espírito...
Post Scriptum 4 — Hoje [4 de Outubro] o ministro das finanças
anunciou «um aumento brutal dos impostos» e logo a seguir
afirmou
que «o povo português é o melhor povo do mundo». Pois...
a quem interessará o subdesenvolvimento?
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