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retratos de Van Gogh

 

 

 

 

 

VAN GOGH Auto-retrato dedicado a Paul Gauguin, 1888.

 

 

 

 

a orelha cortada: génio e loucura

 

 

«Eles são todos doentes aqui, por isso, ao menos eu não me sinto sozinho.»

Carta a Theo, 18 de Fevereiro de 1889.

 

No filme Dreams, de 1990, Akira Kurosawa aproximou-se de uma teoria filosófica sobre a orelha cortada de Vincent van Gogh (1853-1890): ele tentava desesperadamente pintar a sua própria orelha, mas depois de constatar que todas as suas tentativas resultavam em fracassos resolveu desfazer-se dela. Uma espécie de paradoxo da perfeição segundo Espinosa: nas realizações humanas, contrariamente às obras de inspiração divina, só aquilo que está acabado pode ser perfeito. Ou, pelo contrário, o que haverá de mais perfeito senão o nada, o vazio?

Na verdade, segundo Kurozawa, Van Gogh amputou a própria orelha para poder observá-la de diversos ângulos e conseguir, finalmente, pintá-la.

 

Nas cartas para o irmão Theo fica provada a tendência de Van Gogh para nunca desistir, e o célebre crítico norte-americano Michiko Kakutani, no jornal The New York Times, refere «a sua extraordinária determinação para aprender, perseverar contra os infortúnios, continuar a pintar mesmo quando os seus primeiros professores o ridicularizavam, quando uma facilidade natural parecia iludi-lo, quando as suas telas pareciam condenadas ao fracasso» («…to persevere against the odds, to keep painting when early teachers disparaged his work, when a natural facility seemed to elude him, when his canvases failed to sell.» NYT, 20 de Outubro de 2011).

 

Aparentemente, o paradoxo da perfeição de Espinosa ou a teoria da persistência (a desmontagem) de Kurosawa ou ainda a possibilidade do completo vazio parecem dar algum sentido à tese do homicídio. Quer dizer: esta morte seria a fuga que ele tanto necessitava e que nunca fora capaz de proporcionar a si mesmo, porque, face às suas antigas convicções religiosas, considerava o suicídio uma covardia.

 

 

 

 

estrelas e retratos: a verdade e a cura

 

 

«La vue des étoiles me fait toujours rêver...»

Carta a Theo, 9 de Julho de 1888.

 

Sabe-se que Van Gogh tinha o hábito de sair de casa pela madrugada para aproveitar a luz das estrelas («a luz das estrelas faz-me sonhar...»), o que contribuía para compor a sua fama de excêntrico.

Conhecidos especialistas em astrologia têm estudado com alguma exaustão os céus de Van Gogh, as suas evoluções da Lua, a sua estrela da manhã, a sua constelação do Carneiro... O já falecido Albert Boime, que foi professor de História da Arte na Universidade de Califórnia, com o astrónomo Edwin C. Krupp, director do Observatório Griffith de Los Angeles, analisaram a obra Starry Night (Noite estrelada de Saint-Rémy, 1889), e tanto confirmam que Van Gogh percebia de astronomia como reconhecem naquela pintura o progresso da Lua de giba para falcada, o que condiz com a sequência das noites em que terá sido feita (entre 19 e 23 de Março).

Em algumas das cerca de mil cartas dirigidas a Theo, Van Gogh admite observar o céu por longos períodos antes do nascer do Sol. Numa carta que escreveu à sua irmã Wil (Wilhelmina Jacoba), em Setembro de 1888, diz: «Às vezes parece-me que a noite é mais colorida do que o dia.» E completa: «Algumas estrelas são amarelo limão, outras têm um brilho rosáceo, outras um verde ou azul de miosótis», concluindo que «não basta pintar pequenos pontos brancos num fundo azul escuro.» Sabe-se agora que muitas das suas rigorosas representações celestes são baseadas na Astronomie Populaire (1880) de Camille Frammarion. Aliás, Van Gogh instruía-se também com leituras de Shakespeare, Victor Hugo, Dickens e Émile Zola, entre outros. 

 

Muitos dos conflitos existenciais de Van Gogh resultam desta aproximação às estrelas, da sua obstinação pela realidade. Neste sentido, não há fenomenologia suficiente para explicar através dele a relação entre ciência e genialidade, senão talvez uma semiótica escrupulosa ou uma espécie de ontologia da quase absoluta objectividade. «O sucesso é, por vezes, o resultado de toda uma série de fracassos» (carta a Theo a 1 de Outubro 1882) e «grandes coisas não se fazem por impulso...» (22 de Outubro de 1882). Disto, os seus auto-retratos são também provas irrefutáveis: uma intensa procura da verdade e uma interminável obsessão pela cura.

 

 

 

o encontro: a voz e a morte

 

Retratou-se, retratou-se e retratou-se (entre 1886 e 1889, o seu período mais produtivo, fez mais de 30 auto-retratos), ou seja: procurava-se incessantemente. E quando tudo parecia indicar que desistia («sem casa, sem dinheiro, sem amigos e sem fé... a culpa e a aversão a si mesmo tomavam conta dele...»), eis que o próprio Van Gogh se descobre: «eu posso falar com entusiasmo, eu encontrei uma voz» («I can talk with enthusiasm. I have found a voice», Michiko Kakutani segundo Steven Naifeh e Gregory White Smith, Van Gogh: The Life, 2011). Poderia, finalmente, desaparecer?

 

 

 

 

«Eu queria morrer assim...»

Auvers-sur-Oise, 29 de Julho de 1890.

 

Van Gogh construiu o seu quadrado na mesma área do círculo perfeito. Recriminou-se pelos desvarios (as zangas familiares, o egoísmo e o ascetismo, a vida desregrada entre prostitutas, a quase indigência, o insucesso, os conflitos com o amigo Gauguin e o dilema das viagens, a estranha relação de ódio e amor com a Humanidade...), o que acabaria por traçar-lhe o génio. Ao ver revelada a razão da sua melancolia (epilepsia e distúrbio bipolar, segundo o estranho doutor Paul-Ferdinand Gachet) confortou-se e sentiu expiar-se-lhe a culpa.

 

Van Gogh viveu em constante agonia. Morreu em paz?

 

 

 

 

 

RETRATOS DE VAN GOGH #14 pinturas

 

 

 

 

 

______

"a orelha cortada"

As inúmeras lendas à volta da vida de Van Gogh proporcionaram diferentes explicações para o episódio de 23 de Dezembro de 1888 na famosa Casa Amarela: uma discussão com Paul Gauguin, que lhe cortou a orelha num acesso de fúria e fugiu (sabe-se que Gauguin desapareceu de Arles depois desse trágico dia); auto-mutilação e remorso, depois da discussão com Gauguin; auto-mutilação e sacrifício, com a oferta da orelha a uma prostituta por quem nutria uma paixão não correspondida; e auto-mutilação por ciúme, após ter recebido uma carta do irmão Theo a informar que iria casar-se. Esta última tese foi defendida no jornal inglês The Art Newspaper pelo especialista Martin Bailey, em 2009, após uma análise microscópica à obra Natureza morta com cebolas e prancha de desenho, de 1889.

Afinal, Van Gogh partilhou um enorme afecto com o irmão Theodorus van Gogh , que carinhosamente tratava por Theo. Este, sustentava-o financeira e emocionalmente, e os complexos dramas da vida do pintor estão plasmados nas famosas cartas que trocaram desde 1872. Theo sobreviveu apenas seis meses à morte do irmão e, curiosamente, foi a sua esposa (objecto do ciúme do pintor) que organizou a correspondência entre os dois e, em 1914, tratou da transladação do corpo de Theo para junto da sepultura de Vincent, no cemitério municipal de Auvers.

 

"a tese do homicídio"

A teoria do suicídio com um tiro no peito é amplamente aceite, mas Steven Naifeh e Gregory White Smith (Van Gogh: The Life, 2011) defendem a hipótese de homicídio perpetrado por um adolescente de dezasseis anos, de nome René Secrétan, que, com os seus amigos, nos intermináveis campos de trigo assombrados por corvos de Auvers, tinham o estúpido hábito de se divertirem zombando com o louco Van Gogh. Consta que, para os ilibar e porque se sentiria aliviado, Van Gogh admitiu suicídio.

 

"as suas antigas convicções religiosas"

Van Gogh quis dedicar-se à vida religiosa e chegou a ser pregador, actividade que abandonou em 1880 para se dedicar exclusivamente à pintura. Nos últimos anos irritava-se com os Cristos de Paul Gauguin.

 

"Noite estrelada"

Charles Whitney, professor emérito da Universidade de Harvard, Massachusetts, também estudou o quadro Noite estrelada e contribuiu para contestar o critério inicial de datação desta obra, baseado nas cartas para Wil e Theo em Julho de 1889.

Uma outra célebre pintura nocturna, O caminho dos ciprestes (Saint-Rémy, Abril/Maio de 1890), foi também estudada por dois outros especialistas norte-americanos, Donald Olson e Russell Doescher. Aqui, é notória «uma estrela com um brilho exagerado» (carta a Gauguin em Julho de 1890), que corresponde a Vénus, na constelação de Cancer, quando a Lua Nova tem o seu início e deixa perceber uma «sombra opaca projectada da Terra» (ainda Van Gogh), que corresponde ao conhecido fenómeno da "luz cinzenta".

 

"a vida desregrada entre prostitutas"

A relação de Van Gogh com prostitutas enquadra-se no quadro de boémia habitual do seu amigo Gauguin, como também de grande parte dos artistas que chegavam a Paris em finais do século XIX e inícios do século XX. O que distingue o caso de Vincent é ter vivido, ainda na Holanda, com uma prostituta, Clasina Maria Hoornik (mais conhecida por Sien) , entre 1882 e 1883, inaugurando assim os conflitos com a família e as acusações de má fama. Completando o quadro das tragédias comuns, Cien acabou por se suicidar no rio Schelde, ao que se sabe cumprindo uma promessa que fizera a Van Gogh: «Não há nada a fazer. Sim, eu sou uma prostituta... como quem diz: acabarei por me atirar à água.» (carta a Theo em 29 de Agosto de 1883).

 

"morreu em paz?"

«Eu queria morrer assim...» ou «La tristesse durera toujours» ou as duas coisas ao mesmo tempo. As últimas palavras de Van Gogh alimentam as duas teses da sua morte: remorso pelos prejuízos morais e financeiros provocados a Theo (o suicídio, na mesma linha da tese de Martin Bailey sobre o episódio da orelha cortada) ou alívio pela expiação da culpa (o homicídio, segundo a tese de Steven Naifeh e Gregory White Smith). Escolha-se a que mais convier.

 

 

 

O irmão Theo, a irmã Wilhelmina Jacoba e Gauguin são alguns dos destinatários das cartas de Van Gogh. «Estou desesperadamente com falta de dinheiro. Muitas coisas seriam necessárias. (...)Imagine: esta semana, para minha surpresa, recebi em casa um embrulho com um casaco de Inverno, calças quentes e um casaco quente de senhora. Fiquei muito comovido.» Carta a Theo, 8 de Outubro de 1882.

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