«propriedade do governo»

Revista
Pública - O PÚBLICO, 17/09/2000.
foto
MANUEL ROBERTO
Ao ver hoje o filme O Capitão Corelli (John
Madden, 2001), sobre a invasão da Grécia pelos soldados nazis,
veio-me à memória Eleni-A Guerra Selvagem (Peter Yates,
1985): ambas as histórias se passam na pequenez duma longínqua
aldeia grega.
Em Eleni…, Kate Nelligan é uma jovem mãe que
se esforça por manter a guarda dos seus filhos quando os rebeldes
defensores do exército soviético se preparam para os levar para os
países do Leste, onde seriam «instruídos segundo os democráticos
princípios do comunismo». Depois de muitos anos passados, o seu
filho Nick (John Malcovich), tornar-se-á repórter do New York
Times, e nessa condição regressa à Grécia para contar a sua
história e descobrir o responsável pela morte da sua mãe. Em O
Capitão Corelli, Irene Papas — de modo diferente mas igualmente
trágico —, tem uma fala que decerto traduz todo o sentido do
incomensurável amor maternal: «Devias considerar-te com sorte
por não teres um filho…»
O trabalho de Yates é incomparavelmente superior:
contarei a seguir a dramática história de Eleni. Hoje,
porém, a propósito destes dois filmes, lembro uma fotografia de
Manuel Roberto, de uma criança que encontrou em Chiahanga, em 1994,
num centro educacional para meninos de rua: o PRISIONEIRO Nº 59018,
que deixou de ser o menino de sua mãe para se tornar «Propriedade
do Governo»...
Manuel Roberto é natural de Moçambique. Nascido em
1966, iniciou-se no jornalismo no semanário Domingo
(fundado por Ricardo Rangel, uma figura de referência do
fotojornalismo moçambicano), e é actualmente repórter do jornal
Público. Autodidacta, o seu modelo é Josef Koudelka, o
fotógrafo checoslovaco naturalizado francês que se tornou célebre
com as suas reportagens sobre a Primavera de Praga. Com a passagem
dos anos, a sua história do pequeno de Chiahanga cruzar-se-á ainda
muitas vezes, talvez, com as de Eleni de A Guerra Selvagem
e Irene Papas de O Capitão Corelli. Certamente, para
lembrar também que, com a passagem dos anos, podemos adiar muitas
coisas (quase tudo), menos o amor. Muito menos o amor de mãe!

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