Ainda Dejours e ainda a civilização
como fonte de sofrimento.
[
revolução IV ]
paraíso e
brutalidade
Um
homem de 77 anos suicidou-se ontem na Praça
Syntagma, em frente ao
Parlamento da Grécia. Num bilhete que trazia no
bolso tinha escrito: «Recuso-me a procurar comida no lixo, por isso decidi pôr fim à vida.»
No mesmo bilhete, Dimitri Christoulas acusava o governo de «aniquilar qualquer esperança de sobrevivência»,
e apelava às armas.
Quer dizer: Pátria ou morte!
Revolução ainda?
Na verdade, este farmacêutico
reformado matou-se porque já
não acreditava no próprio país, quer dizer, no inferno em que transformaram o seu paraíso.

foto HENRI
CARTIER-BRESSON La villette, Paris, 1932.
«Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal.»
CHRISTOPHE
DEJOURS
Jornal Público, 1 de
Fevereiro de 2010.
Christophe Dejours é um
psicanalista francês especialista em psicologia do trabalho. Numa
passagem por Lisboa, em Janeiro de 2010, concedeu uma entrevista ao jornal
PÚBLICO,
onde defendeu que o fenómeno dos suicídios no local de
trabalho não está só relacionado com o sofrimento causado pelas
novas exigências das regras empresariais e da competitividade, mas
também com a falta de solidariedade entre trabalhadores, que resulta tanto da
própria competitividade («O que quero é que os outros não
consigam fazer bem o seu trabalho») como da impotência para
contrariar as ordens de quem decide até sobre as expectativas
mais pessoais. O suicídio pode ser, assim,
resultado de múltiplas perdas (défice democrático, falta de afecto entre os pares
e sonegação do direito a um salário justo e à propriedade que advém
do rendimento do trabalho), e consequente
solidão, que se projectam num sentimento insuportável de
insatisfação pessoal.
Ainda para Dejours,
a brutalidade deste fenómeno suicida reside na escolha do
lugar para colocar fim à vida: morre-se num certo lugar em função
das expectativas (e da quebra dos laços criados) em torno desse
mesmo lugar...
Compreende-se, pois: a
usura exercida sobre um cidadão que exige o direito à sua cidadania
é igual à que se exerce sobre um trabalhador que exige o direito ao
seu emprego ou sobre um reformado que exige o direito à sua reforma.
Assim,
morrerão ainda desta mesma maneira brutal muitas mais pessoas às
portas do Parlamento, nas fábricas e nas empresas ou à sombra de uma
árvore... quer dizer: nos seus paraísos, que entretanto outras pessoas
malevolamente transformaram em infernos.
Na Grécia, entre 2000 e 2008 registaram-se 366 suicídios, 507 só em 2009,
622 em 2010 e 598 até ao início de Dezembro de 2011. Christoulas, o
suicida desta quarta-feira, 4 de Abril de 2012, escreveu também que
não queria deixar dívidas aos seus filhos...
Em Portugal, há já
notícias de jovens que se autoflagelam em consequência da crise a
que assistem no seio das próprias famílias. Haverá, de facto, maior paraíso
e maior brutalidade?
[ revolução III ] andar para trás...
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Em benefício da economia grega, não convém que se repitam suicídios
na Praça Syntagma, dizem. Assim, os políticos tenderão a abafar o efeito Dimitri Christoulas,
não vá ele transformar-se no Mohammed Bouazizi grego, cujo suicídio levou
à revolta na Tunísia e à queda de Ben Ali depois de 23 anos no
poder.
Em Dezembro de 2010, Bouazizi, de apenas 26 anos, imolou-se pelo fogo
alegando que os seus rendimentos não chegavam para sustentar a
família; acabou por morrer a 4 de Janeiro de 2011. Em Outubro deste mesmo ano o Parlamento Europeu atribuiu o
Prémio Sakharov a cinco personalidades ligadas à Primavera Árabe (da
Tunísia, Egipto, Síria e Líbia),
entre as quais Bouazizi. Alguém acredita que os paladinos da
Liberdade de Pensamento (os ideólogos do Euro e da austeridade) venham a fazer o mesmo em relação a Christoulas?

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