o trabalho não
mata...
[ com dois poemas de
João Almeida ]
Belmiro de Azevedo é um conhecido empresário de
sucesso em Portugal. Em 2013, a revista americana Forbes
incluiu-o na sua lista de homens mais ricos do mundo.
há homens que têm os intestinos
na boca
Sabendo-se que
a cultura de Belmiro de Azevedo não vai muito para além da ardilosa capacidade para
ganhar dinheiro, algumas das suas declarações à imprensa enquadram-se
perfeitamente na actual tendência da União Europeia para
promover um conjunto de leis laborais só comparáveis à China, Índia, Malásia e
Bangladesh.
Diz ele que «sem mão-de-obra barata não há emprego»
(Jornal de Notícias, 18 de Março de 2013), e mais, que «os alemães, por hora, fazem três ou quatro vezes mais do que os portugueses»,
concluindo que os salários só podem aumentar «quando os portugueses trabalharem como os alemães»
(Diário de Notícias, 6 de Março de 2014). Diz agora que «o trabalho não mata, estar quieto é que
provoca obesidade» e «só sou exigente para os
mandriões» (Jornal de Negócios, 10 de Março de 2014). Tudo isto,
digno de alguém que, não defendendo o aumento dos salários, em 2013 viu
crescer a sua fortuna pessoal em 138%!
por amor ao dinheiro
Belmiro de Azevedo diz ainda, nas mesmas declarações
desta segunda-feira, 10 de Março, que se levanta todos os dias às
cinco e meia
da manhã e chega a casa às 20 horas. Algo que os funcionários das
caixas dos seus hipermercados jamais poderiam fazer (nem sentados
nem de pé) com vencimentos
líquidos inferiores a 450 euros.
Pois, se o trabalho não mata, é porque liberta. Era o
que se dizia em Auschwitz por amor à raça. É o que se diz agora
também em
Portugal por amor ao dinheiro.



foto: NELSON GARRIDO Jornal Público,
2013.
O trabalho não mata, diz este homem. Pois,
o que pode matar são os salários que ele paga aos trabalhadores dos
seus hipermercados.
1.
a tua vida meu irmão verdadeiro
eras tão pequeno e os ricos
debicaram-te o fígado
cansaram-te as manhãs de encontro aos
rolamentos
ao óleo das máquinas industriais
isso nunca passou, não é memória
ou depois de ti o mal acaba
e eu não renuncio o tiro absoluto
ou a faca no lado direito
espetada até ao último suspiro do
homem mau.
JOÃO
ALMEIDA
El pasao
in A Formiga Argentina, 2005.
2.
que não me falte a comida
e que a tosse dos meninos passe
depressa
na noite
e o mundo fique uma estrada plana.
JOÃO
ALMEIDA
Pay per view
in Um Milagre no Caminho, 2011.
____
o desencontro
Belmiro de Azevedo é
considerado pela revista Forbes um dos homens mais ricos do mundo,
mas ao longo de toda a sua vida tem produzido um conjunto de
declarações miseráveis, que revelam uma lamentável desumanidade.
João Almeida nasceu em 1965, vive em
Guimarães e é um pobre poeta cujo nome decerto nunca constará na
revista Forbes.

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