o meu insane Carnaval
Vi ontem, outra vez, imagens do Inferno pela
televisão...
Antes, Bernardo Pinto de Almeida disse-me: «Fui
dos que julgaram ter nascido para tornar grande o mundo, /mas
atrasei-me numa sala cheia de homens.»
e outros poemas, Quetzal, Lisboa, 2002.
No sábado, perguntei finalmente ao meu amigo António
Fontes: «Padre, Deus
existe?»
«Deus está ao teu dispor...», respondeu-me. Mesmo
assim? No meu insane Carnaval, na minha folia de todo o dia?
Hoje, estou de luto...

foto:
JORGE ESTEVES/ANTERO DE ALDA Retrato e auto-retrato, Amarante
(2018).
sonhamos com príncipes e princesas
estendemos a pele do corpo em marés de frutos amassamos a pedra o
pão o linho as vértebras até ao impossível esperamos o fim do dia as
alvoradas de luz o estranho cheiro da chuva ensaiamos cânticos oh o
indeterminado problema do universo [sobretudo a lã das nuvens a
grande paz dos planetas] fazemos casas oh as casas e retratos
trocamos beijos grandes e pequenas tragédias por tão ínfimos
momentos aspiramos à carne ao amor à fé ao silêncio — é verdade
escrevemos tantas cartas sem resposta! — enfim construímos castelos
de areia.
maio 2012
____
"Deus está ao teu dispor..."
«Deus está morto», diz Nietzsche em A Gaia Ciência, 1887.
«Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna em pleno dia
e corria pela praça, gritando: — Eu procuro Deus! — Eu procuro Deus!
Mas aqueles que não acreditavam
em Deus riam-se e diziam: — Pobre criatura, está perdida...»
"na minha folia de todo o dia"
Rezo, quase todos os dias, um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. E vou, de
vez em quando, ao Mosteiro de
S. Gonçalo rezar
a Nossa Senhora de Fátima. Porém, a minha maior devoção é pela Nossa
Senhora dos Prazeres.
"Hoje estou de luto..."
Pelas crianças vítimas inocentes da interminável guerra na Síria.
Pela defunta Escola Secundária de Amarante, que não se recompõe e cujo
director não se demite.
Pela mulher que morreu esta semana, na Sertã (Castelo Branco),
vítima de ataque cardíaco, cujo marido (Ângelo, de 79 anos) teve de
percorrer dois quilómetros a pé para poder pedir ajuda médica, por
falta de telefone fixo quatro meses depois dos incêndios do passado
mês de Outubro.
Por uma colega, jovem professora, que se suicidou há meia dúzia de
dias, decerto na vã esperança
de encontrar um inferno mais suportável «do outro lado do
caminho.»
Há coisas assim: dias assassinos e erros irreversíveis.
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