o labirinto
«É assustador como as personagens de Dostoievski nos abrem caminho até
Deus através do pecado.»
VLADIMIR
NABOKOV
1

foto GEORGES
MERILLON/GAMMA Photo Agency, Kosovo, 1990.
Mas porquê a Arte, se estamos hoje presos duma crise de valores, se a modernidade se apresenta tão enferma de violência e de injustiça a que se deveriam suceder — em vez de Beleza — indignação e revolta?
No dia 21 de Novembro de 2009 o Vaticano recebeu
centenas de artistas de todo o mundo para um encontro com o Papa. Pouco depois da imensa comitiva de Criadores
atravessar o Braço de Constantino, entre o Portão de Bronze e a
escadaria Régia até à Capela Sistina (como o haviam feito outros
tantos com Paulo VI há 45 anos atrás), o Sumo Pontífice exultou com as seguintes palavras:
«O que é que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que é que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o seu caminho, a erguer o olhar além do horizonte imediato, a sonhar uma vida digna da sua vocação se não a Beleza?»
Atravessando milénios de conhecimento (de Platão a Simone Weil, Hermann Hesse, Dostoievski...), o que está
implícito no discurso de Bento XVI é a ideia de que a Arte se impõe
como caminho para chegar a Deus.
«Para que poetas em tempo de indigência?»
HÖLDERLIN
Mas porquê a Arte,
se estamos hoje presos duma crise de valores, se a modernidade se
apresenta tão enferma de violência e de injustiça a que se deveriam suceder
— em vez de Beleza —
indignação e revolta?
A resposta vem de Dostoievski, pois: «A beleza salvará o mundo»,
disse o príncipe Mishkin, de 'O Idiota', em 1869. Mas — lembremo-nos — Dostoievski era um escritor tão repugnante, que até a velha
pátria
soviética e o próprio Tolstoi o negligenciaram: para que lhes serviria um tão mau exemplo de
eremita bíblico?
Se estiver certo o que
disse um dia Nabokov («É assustador como as personagens de Dostoievski nos abrem caminho até Deus através do pecado»),
afinal, no imenso labirinto em que nos perdemos, estamos todos próximos uns dos outros; só não sabemos
derrubar os muros que nos separam ou escolher os caminhos a seguir para nos
encontrarmos.
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1 Citação livre. Para além da
inveja (que provinha da sua incorrigível vaidade), era esta a
grosseira opinião que Nabokov tinha do demoníaco Dostoievski.

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