o editor pergunta-me...
[ a reserva de Mallarmé ]
Morreu Nelson Mandela (95 anos), o homem que acreditava no
impossível: que os homens são todos iguais.
Por cá, Mário Soares (89 anos) foi a Viana do
Castelo manifestar-se contra a inevitável privatização dos estaleiros navais e
o despedimento de 600 trabalhadores em mais um negócio
ruinoso para o Estado.
Entretanto, Manoel de Oliveira (que faz hoje 105 anos) disse em
tempos que «a vida é uma derrota.»
Nenhuma virilidade individual, seja física ou mental,
pode contrariar a forte tendência comum para a mediocridade.
Depois da revolta na Praça da Bessarábia, em Kiev, a
estátua de Lenine está à venda em pedaços no eBay...
***
Lembro-me da Terceira Onda, de Ron Jones, e de Stanley
Milgram e a “obediência à autoridade” e ainda o que diz Omer
Bartov: «o genocídio é sempre um empreendimento coletivo...»
Somos todos judeus e todos somos, ao mesmo tempo, honrados
cidadãos da Alemanha na II Guerra Mundial. Todos somos ao
mesmo tempo vítimas e cúmplices (metade vítima e metade
cúmplice, como dizia Sartre) da destruição do Estado, da
precarização do emprego — os baixos salários e os
despedimentos sem justa causa, a mesquinhez dos
empregadores e a videovigilância aos assalariados, a fuga aos
impostos, a manipulação dos produtos e a chantagem aos
produtores... — em suma, da desumanização em benefício de
uma civilização fundada no livre arbítrio dos mercados, no poder
absoluto das grandes instituições financeiras e das
multinacionais, na ditadura do dinheiro.
(.......................................)
Este livro conta a história de um homem que caminha no mundo
e é despojado de tudo, até da própria alma («deixei a chave
debaixo do tapete»). Um homem que chega a iludir-se («afago o
fumo com gomos de laranja») e numa situação limite vacila entre
o discernimento («estava a pensar hipotecar o gato do vizinho,
mas felizmente ele desapareceu») e o desejo («o gato voltou
para casa... crava-nos os olhos como um filho enterra as unhas
na carne da mãe»). Um homem que, por fim, ressuscita no corpo
de uma criança, agarra-se a uma árvore como na maravilhosa
fotografia de Sabine Weiss tirada em Espanha em 1981 e diz,
como e.e. cummings: «obrigado Meu Deus por mais este
espantoso dia, pelos saltitantes e virentes espíritos das árvores.»
"Deus fez de mim um homem diferente..."
Inevitavelmente, esse homem negará contar aos seus filhos a
história dos seus pais («nem tudo é perfeito na esquina da
macieira ácida...»), a história de Ícaro, que voou muito alto, tão
alto que se aproximou do Sol, queimou as asas e caiu no mar
Egeu...

foto: SABINE WEISS A girl and a tree, Espanha,
1981.
POEMA DE AMOR
sob o candeeiro cilíndrico de imitação
de seda púrpura
sussurro-te ao ouvido um poema do cego
Borges
(o cego Jorge Luis Borges,
servo na Babilónia e invisível na
Lua).
no camiseiro de mogno as fotografias
e aquele teu amuleto pequenino — o
menino pobre de joelhos
a rezar.
e as pétalas — labirínticos afectos
nos bilhetinhos colados
na cabeceira da cama.
e as sombras, os espelhos, os filhos,
os bichos
e as coisas (tantas coisas!).
aonde nos voltaremos todos a
encontrar?
_______
Título: a reserva de Mallarmé
Edição: GALÁPAGOS, Fábrica de Poesia
Formato: 14,9 x 21,6 cm
Número de páginas: 48
Depósito Legal
368003/13
ISBN 978-989-20-4378-4
Preço: 10 euros *
* Edição especial numerada e assinada
pelo autor: 20 euros

Pedidos a
mail@anterodealda.com

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