Os EUA e a União Europeia sempre olharam com desprezo
para certas democracias latino-americanas. É uma falta de respeito
inaceitável.
A União das Nações Sul-Americanas exige dos
governos de Itália, França, Espanha e Portugal um pedido de
desculpas a Evo Morales, por terem desprezado o avião do
presidente da Bolívia suspeitando que Edward Snowden
se encontrava a bordo.
Entretanto, a maioria dominada pelos partidos do governo
na Assembleia da República já recusou condenar a proibição da aterragem
do avião presidencial boliviano em território português.
É uma vergonha que a pátria de Gil Eanes, Duarte
Pacheco Pereira, Fernão de Magalhães e tantos outros que deram novos
mundos ao mundo esteja agora prisioneira dos americanos e da UE,
que em vez de respeitarem as seculares relações de amizade e oportunidades de negócio estão a obrigar-nos a erguer muros e fronteiras.
o corno de Deus
Quando Moisés desceu do monte Sinai, trazendo nas mãos as duas tábuas do testemunho,
ele ignorava ainda que a sua face se tornara cornuda por haver falado com
Deus («...Ignorabat quod
cornuta cutis faciei suae ex consortio sermonis Domini»).
Êxodo 34:29 da Vulgata latina.

O Corno de Ouro, postal de Constantinopla em 1890-1900.
1. as águas híbridas
ou as
pontes dos homens bons
Desde a antiguidade, o extenso Mar
Mediterrâneo e o Egeu, com as suas margens povoadas com cidades,
portos e abrigos, uniu mais do que separou, preservando uma
imensidão de ricas comunidades de múltiplas religiões, múltiplas
ideologias e múltiplas culturas. Pequenos barcos, navios e veleiros
em grande número transportavam pessoas e
mercadorias entre a antiga cidade-Estado de Atenas e a Creta do minotauro, pelo estreito do Adriático até
à Sereníssima Veneza, pelo círculo afro-europeu da
Córsega, Sardenha, Cartago e Siracusa, com o horizonte na
ornamentada capital bizantina do Império Romano do
Oriente, Constantinopla, a actual Istambul dos homens bons.
À volta do Corno de Ouro, desenhado
pelas águas com as famosas portas e portos até ao Mar de
Mármara, na mítica Istambul (a Grande Cidade, como lhe chamavam os
vikings, ou a cidade melancólica segundo o Nobel Orhan Pamuk) ergueram-se
sumptuosas pontes (a Gálata e a do Bósforo, principalmente), e a
magnífica catedral de Santa Sofia, e
a Mesquita Azul dos seis minaretes, o
Grande Bazar, o Ciragan Palace dos famosos banhos turcos e o Pera Palace
Hotel onde em tempos se instalaram Agatha Christie e muitos outros
passageiros do Expresso do Oriente.
2.
atrás das portas do mar
Entre o sagrado e o profano, o braço
de água e a
protuberância bovina (Bósforo quer dizer literalmente "passagem do boi") simbolizam a
inexpugnável fronteira
entre o Ocidente e o Oriente, só superada pela soberba guerreira,
desde as conquistas de Alexandre o Magno, o coxo Tamerlão e Solimão
o Magnífico, além de outros grandes e pequenos imperadores frígios,
romanos, vikings,
galeses, bizantinos, seljúcidas sunitas
e otomanos, até ao massacre dos cristãos arménios durante a I
Guerra Mundial. Ainda hoje, a Turquia preserva
os destroços da acrópole de Bizâncio, as muralhas de Teodósio II e o
castelo Rumeli (conhecido por fortaleza de el-Fatih, o sultão
conquistador), planeia
construir um muro na fronteira com a Síria e «define a vizinha
Rússia como o inimigo, e as repúblicas emergentes da ex-URSS como um território privilegiado de intervenção»
(Maria de Fátima Peixinho, A Turquia: fronteira entre dois mundos,
Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2009).
3. se o diabo tem
dois cornos...
Ao Corno de Ouro alguns chamam também
o Corno de Deus, e para estes, a partir dele a progressão para a
Trácia Oriental (entre as costas da Anatólia e da Crimeia) torna-se
sombria. Porém, a história universal das grandes conquistas e das
grandes fronteiras não é exclusiva do mundo
herege que se imagina para lá da elipse fria do Mar Negro.
Há, evidentemente, a Grande Muralha da
China e o Muro de Berlim, mas também as incontáveis
fronteiras romanas, o Limes germânico dos sessenta castelos
e o Limes árabe que incluía as cidades de Petra e Nabateia, na
actual Jordânia, o Muro de Trajano na Dácia antiga, as muralhas de
Adriano e Antonino Pio no cinturão central escocês, as
imponentes muralhas francesas de Carcassonne com a sua Torre da
Inquisição contra os hereges Cátaros (que se tinham também como
homens bons), e as muralhas espanholas de Lugo e Ávila, ambas com mais
de oitenta torres, e as gregas dos Cavaleiros de S. João de Rodes, e os
muros do Saara, da Cisjordânia, de Israel e dos Estados Unidos da
América na fronteira com Tijuana, no México.
4. a herança do homem
bom:
o Moisés cornudo
de Michelangelo
e os Bezerros de Ouro
Resume-se tudo à herança do maior de
todos os homens bons, o Moisés cornudo de Michelangelo, aquele que
foi recolhido das águas, que levou os escravos do Egipto pelo deserto
árido e forçou a passagem pelo Mar Vermelho, ou os Bezerros de Ouro
dos donos de Israel e dos que lhes sucederam, concebidos para serem
adorados pelo seu povo como falsos ídolos.
Grandes muros traçaram sempre o
destino dos homens.
_______
"o Moisés cornudo de Michelangelo"

No monumental túmulo do Papa Júlio II,
o Terrível, na Igreja de São Pedro Acorrentado (San
Pietro in Vincoli) em
Roma, figura o Moisés de Michelangelo,
com dois chifres e ladeado pelas esculturas
de duas outras figuras bíblicas: Lia, que representa a vida activa, e Raquel,
que simboliza a vida contemplativa. Na verdade, o Moisés cornudo de
Michelangelo poderá ter nascido de um equívoco de S. Jerónimo, o tradutor da
Vulgata. Eis o texto corrigido: «Moisés desceu do monte Sinai, tendo nas mãos as duas tábuas da lei. Descendo do monte, Moisés não sabia que a pele do seu rosto se tornara
resplandecente durante a sua conversa com Deus.»
Há outras teorias para esta
insólita representação, que explicam também as famosas pinturas de Andrea da Firenze e José de Ribera,
entre outros, em que os cornos de Moisés aparecem com plumas ou
raios de luz.
No dia [ 4 de Julho de 2013 ] em que o
jornal Le Monde garante que a França também faz espionagem
informática. «Tous les services de renseignement occidentaux
s'espionnent», diz Arnaud Danjean, ex-agente dos serviços
secretos franceses.
Há ainda os muros da nossa privacidade.

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