«Era uma vez um
pequeno coelhinho que queria fugir. E disse à mãe que ia fugir.
A mãe respondeu que se ele fugisse, ela iria atrás dele, pois
ele era o seu coelhinho.
O coelhinho disse que se ela fosse atrás dele, este tornar-se-ia
um peixe num rio e nadaria para longe dela. A mãe respondeu que,
caso ele se transformasse num peixe, ela tornar-se-ia pescadora para
o pescar.
O coelhinho disse que se ela se tornasse pescadora, este
transformar-se-ia num pássaro para voar para longe dela.
Ao que a
mãe respondeu que se ele voasse para longe dela, ela
transformar-se-ia na árvore à qual este sempre regressaria...»
MARGARET
WISE-BROWN
O Coelhinho Foragido, 1942.



Vivian Bearing (Emma Thompson) opta pelo código NR [não reanimar]
para superar a morte, sustentada pelo poeta metafísico inglês John
Donne: «Morte, também tu perecerás...»
dir. fotografia
SEAMUS McGARVEY
Poderá uma mulher que
nunca teve filhos, intransigente até onde lhe permite a sua vasta
erudição, mas ainda assim aquém das «cabras libertinas» [«Se
as cabras libertinas, as serpentes venenosas não podem ser
condenadas, então porque sou eu?»], poderá uma mulher assim
sofrer até à morte por um cancro nos ovários e, ainda por cima, no
derradeiro desejo de a superar (superar a morte no sentido figurado,
pois era consciente da sua inevitabilidade), abdicar da razão? [«Mas
quem sou eu para de Vós discordar?»]
Tecnicamente, sim. Mas a lição moral é, de verdade, tão violenta
como o próprio filme de Mike Nichols.
Em «Wit» (Espírito de Coragem, 2001), Vivian Bearing é uma
professora de 48 anos, especializada na obra do poeta metafísico
John Donne (1572-1631), que recebe quimioterapia experimental para
tratar um cancro metastático avançado nos ovários.
A sua experiência de paciente erudita em estado terminal leva-a a
reflectir sobre as universais opções de poder e intransigência e,
inevitavelmente, sobre o seu próprio passado... Não podendo
representar o papel de mãe, o filme de Nichols enfatiza o seu papel
de uma filha que se reaproxima do essencial através da morte (e da
sua teórica superação).
[
CANCER ]

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