manual de sobrevivência
[ VI ]
«As pessoas têm que ter expectativas de acordo com
a realidade que vivemos», disse hoje uma assessora do
primeiro-ministro. Definitivamente, esta realidade não é minha.
Privatizaram tudo, até a nuvem que passa como previu Saramago.
Ostracizaram os comunistas até os crucificarem na cruz como cristos.
E os árabes. E os homossexuais.
Só há este caminho, dizem-nos. Agora, temos os países do norte... e os outros. E, de
descriminação em descriminação, nesta catalepsia total que nos leva
à maior desonra que consiste no vazio absoluto, é mais uma vez o vozeirão da Alemanha que enxota o cabril
de amestrados que hão-de servir para «empadinhas de borrego»,
como dizia Ginsberg.
Não há pior erro do que esse de cultivar num povo
qualidades estranhas que lhe não pertencem por natureza, disse
Pascoaes.
Não tem perdão quem não reclama pela sua própria
pátria para morrer.

foto NATIONAL ARCHIVES AT COLLEGE PARK Maryland, USA.
Perseguição aos judeus de Lvov, Polónia, 1941.
vivo aqui
entre o rio
e a névoa
um monge
beneditino
pedra
quinhentista
quadros de
Amadeo
papos d'anjo
de O' Neill quatro reis
de Portugal
uma gloriosa ponte
que resistiu
aos franceses.
vivo aqui
cego de
terror
arrastado também pelos cabelos
como um traidor à
pátria.
vivo aqui
nesta
mesma dor de grandeza
e pequenez.
e mesmo
suspenso pelo escalpe
se há rio e névoa
um monge
beneditino
pedra
quinhentista
quadros de
Amadeo
papos d'anjo
de O' Neill quatro reis
de Portugal
uma gloriosa ponte
que resistiu
aos bárbaros...
nesta mesma
dor de grandeza
e pequenez
não sou
estranho nem
estrangeiro
esta terra
também é minha
aqui semeei
e aqui colhi
vivo aqui
porque aqui
é um
lugar bom para morrer.
antero de alda, a
reserva de Mallarmé, 2013.
_______
"Pascoaes"
O Génio Português na Sua Expressão Filosófica, Poética e Religiosa,
ed. Renascença Portuguesa, Porto, 1913, pág. 10.
no cabeçalho: Eternidade,
numa fotografia de Eduardo Teixeira Pinto.

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