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  Post 048 -  Novembro de 2010  

 

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Lisboa — saudade e claustrofobia

{ José Rodrigues Miguéis }

 

 

 

Vem aí Dezembro.

Correm 109 anos sobre o nascimento de JRM.

 

 

 

 

José Rodrigues Miguéis em Fevereiro de 1958.

fotografia do espólio da Brown University Library, E.U.A.

 

 

Diz Vergílio Ferreira que a arte tem uma função catártica, purifica o íntimo, alivia e liberta das obsessões: «Possivelmente a arte tem sido para mim a grande catarse (...). Antes de escrever 'Manhã Submersa' sonhava muito com o seminário, com o desejo e impossibilidade de sair dele. Nunca mais sonhei.» (Vergílio Ferreira, 'Conta-Corrente I', 3ª edição, 1982).

 

 

Lembrando como na minha adolescência — a minha infância literária — a obra do autor de 'Léah e Outras Histórias' contribuiu em muito para apaziguar esse «feixe de odores» de Chadourne, creio que o próprio Rodrigues Miguéis assim se revê, numa certa idade (a infância) e num determinado lugar (Lisboa), dupla e irremediavelmente dividido:

1 — entre a realidade e a ficção («Até que ponto pode um escritor falar das suas experiências pessoais sem incorrer na pecha de subjectivismo e sem ser indiscreto a respeito de si próprio?», em 'Um Homem Sorri à Morte — Com Meia Cara', 2ª edição, Lisboa, Estúdios Cor, 1965);

2 — entre Alfama e Manhattan, porque, na diáspora e especialmente depois da passagem por uma experiência que quase o levou à morte, o escritor renasce «sensível e subjectivado» (em «lancinante nostalgia», segundo Eduardo Lourenço), vacilando entre a saudade da mítica Lisboa antiga, vista de longe, e a claustrofobia da Lisboa contemporânea, quando vista de perto.

 

 

Parece ameaça (ou profecia): José Rodrigues Miguéis nasceu na Rua da Saudade — número 13, dizem uns, outros dizem que foi no número 12 — no bairro típico de Alfama, 9 de Dezembro de 1901.

 

 

Segue-se o reconto biográfico.

Filho de Manuel Maria Miguéis Pombo (um galego natural de Santiago de Borbén, da actual freguesia de Pazos, Pontevedra) e Maria Adelaide Rodrigues Miguéis (de Góis, Coimbra), concluiu os seus estudos secundários no Liceu Camões em 1917. Colaborou desde muito cedo em diversos jornais e revistas e em 1922 integrou o grupo da Seara Nova, com Jaime Cortesão, António Sérgio, José Gomes Ferreira, Irene Lisboa... e depois Mário Dionísio e Jorge de Sena, entre muitos outros. Formou-se em Direito em 1924, mas praticamente não exerceu. Activista dos ideais republicanos (primeira desilusão, revelada mais tarde), presidiu à União da Mocidade Republicana. Interessou-se pelo Ensino e, bolseiro da Junta de Educação Nacional, em 1929 rumou à Bélgica, para uma pós-graduação em Ciências Pedagógicas pela Universidade Livre de Bruxelas, concluída em 1933. Regressado a Portugal, neste mesmo ano fundou e dirigiu, com Bento de Jesus Caraça, o semanário Globo (imediatamente apreendido — segunda desilusão). Entretanto, porque o seu estilo dostoievskiano, de compromisso com o realismo ético, não interessava ao Estado Novo, e porque o incomodavam muito as privações do regime e ainda — decerto — porque não esquecera um amor antigo (Camila Pitta Campanella era luso-descendente e passou por Lisboa em 1928), em 1935 partiu para os Estados Unidos. Adquiriu a nacionalidade norte-americana, em 1942, depois de participar em diversas acções políticas contra a ditadura portuguesa e a favor dos Republicanos na guerra civil espanhola. Escreveu muito, conferenciou em diversas universidades e empregou-se como tradutor e redactor das Selecções do Reader's Digest para ganhar a vida. Durante muito tempo insistiu ainda por diversas vezes em revisitar Portugal, sempre sob a estreita vigilância da polícia política, e passou também episodicamente pelo Brasil. Em 1979 foi agraciado pelo governo português com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada, mas (desiludido, por uma última vez, com o rumo da revolução) o 25 de Abril não o fez regressar.

Faleceu em Nova Iorque a 27 de Outubro de 1980, quando era já, segundo a sua amiga Maria de Sousa, «um homem novo cativo de um corpo velho; chega uma altura em que o corpo velho já não aguenta mais o corpo novo, portanto acaba por ganhar o corpo mortal...» (documentário biográfico de Diana Andringa, RTP, 1998).

 

 

Vista de Manhattan, a Lisboa saudosa sobrevive, e é essa magnífica obra [José Rodrigues Miguéis foi um dos maiores escritores portugueses do século XX] que a outra Lisboa, a contemporânea e claustrofóbica (ainda), praticamente esqueceu.

 

____

"uma experiência que quase o levou à morte"

Como no livro 'De Profundis Valsa Lenta' (1997), de Cardoso Pires, em 'Um Homem Sorri à Morte — Com Meia Cara' (publicado em 1959) relata-se na primeira pessoa a experiência da iminência da morte. No Outono de 1945 José Rodrigues Miguéis entra num hospital público de Nova Iorque com uma infecção cerebral, que lhe causou paralisia facial do lado esquerdo. Os anos que se seguiram foram de intensa actividade criativa, com contos, romances e novelas, de que se destacam «Saudades para a Dona Genciana» (1956), «Léah e Outras Histórias» (1958), «A Escola do Paraíso» (1960), «Gente da Terceira Classe» (1962) e «Nikalai! Nikalai!» (1971).

 

"Parece ameaça (ou profecia): Rua da Saudade, número 13"

Isso que chamamos Nostalgia — dor-do-lar, saudade ou longing — é apenas anseio de auto-identificação e permanência na infinidade do espaço-tempo, esse mundo subjectivo cujo perpétuo movimento ou devir nos ameaça a cada instante de alienação ou aniquilamento. Notas do autor em 'Nikalai! Nikalai!', 1ª edição, 1971, p.198. Enfim, como seria José Rodrigues Miguéis sem essa nostalgia, o seu longing, as ameaças de alienação e aniquilamento?

 

"para ganhar a vida"

Hoje, por exemplo, sentei-me a esta mesa às 10 da manhã; lutei todo o dia com salmões, toninhas e trutas da menagerie do R.D. [Reader's Digest]. (...) É assim quase todos os dias, para aprontar aquelas duas a três páginas da revista, sem as quais não há o clássico bacon & eggs! J.R.M. em carta ao seu biógrafo Mário Neves ('José Rodrigues Miguéis: Vida e Obra', Caminho, Lisboa, 1990).

Numa entrevista concedida a Carolina Matos em 1980 ('José Rodrigues Miguéis: Lisboa em Manhattan', org. de Onésimo Teotónio Almeida, Estampa, Lisboa, 2001), o escritor admite que a tradução foi a sua fonte permanente de rendimento. Entre outras razões, terá sido também por isso que ali mesmo confessou: «O homem em nós mata o escritor».

 

 

 

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que estão frequentemente em casa todos ao mesmo tempo.

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