farinha
da Lua


Milhares
de colonos chegaram a iludir-se com a ideia de que fariam
fortuna
com a exploração do Nitrato do Chile...
foto do
arquivo de EDUARDO RAMOS
«Se não fosse porque teus
olhos têm a cor da lua,
de dia com argila, com trabalho, com fogo,
e aprisionada tens a agilidade do ar,
se não fosse porque és uma semana de âmbar,
se não fosse porque és o momento amarelo
em que o outono sobe pelas enredadeiras
e és ainda o pão que a lua fragrante
elabora passeando sua farinha pelo céu,
oh, bem-amada, não te amaria!
(…)»
PABLO
NERUDA,
Cem sonetos de amor.
Trad. Carlos Nejar
Quando Adolfo
Lozano, o jovem espanhol estudante de arquitectura, desenhou o
painel de publicidade ao salitre chileno, nos finais da década
de (19)20, já os fertilizantes químicos inventados pela Alemanha
durante a I Grande Guerra faziam forte concorrência ao «ouro
branco» que o empresário portuense César Machado importava da
América latina, depois da agressiva campanha promocional do
ex-cônsul geral do Chile no Porto. A instalação dos enormes
painéis em casas e muros junto às estradas espanholas e
portuguesas foi a fórmula encontrada pelos comerciantes destes
dois países para competirem com os químicos alemães. Da mesma
época são também conhecidos os símbolos do Licor Beirão e a
«capa negra» dos vinhos Jerez Sandeman.
O caliche, da
rocha que dá origem ao salitre, ou nitrato de sódio, já era
conhecido na época pré-colombiana e usado pelos Incas como
fertilizante, mas ao enorme deserto de Atacama, entre as
montanhas do norte chileno, só em meados do século XIX começaram
a chegar milhares de colonos com a promessa do enriquecimento
fácil. Na Europa e nos EUA o Nitrato do Chile, como lhe
chamaram, tornou-se um dos responsáveis pelo início da Revolução
Agrícola; na América latina o fenómeno provocou uma guerra entre
o Chile, o Peru e a Bolívia (1879-89) e deu origem a um conflito
que opôs os grandes empresários (em número reduzido) e os seus
empregados — os pampinos, trabalhadores das salitreiras
das Pampas — que eram escravizados e acumulavam dívidas e
frustrações. Em 1907, cerca de 30 mil pampinos fizeram
greve e desceram à cidade costeira de Iquique, onde foram
recebidos pela polícia: cerca de dois mil destes colonos foram
violentamente assassinados!
A decadência
das antigas fábricas do famoso Nitrato do Chile foi inevitável.
No início do
terceiro quartel do século XX, o ditador Augusto Pinochet
transformou uma enorme oficina de Chacabuco numa prisão para
onde foram enviados muitos opositores ao regime: segundo a
teoria oficial, a Lautaro Nitrate Co. e outras
indústrias do género tornaram-se insuportáveis para o regime
face ao clima de contestação provocado pelos seus milhares de
trabalhadores…
Na inóspita
paisagem das montanhas do deserto de Atacama a evaporação da
água ali retida há milhões de anos determinou o aparecimento do
salitre.
Naturalmente, milhares de colonos chegaram a iludir-se
com a ideia de que fariam fortuna com a exploração do Nitrato do
Chile.
Neruda chamou-lhe
«farinha da
Lua»…

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