entre os actos
[ Virginia Woolf ]
«Somos desfeitos pela realidade.
A vida é um sonho, o despertar é o que nos mata.»
(VW)

foto:
LINDER STERLING She/She,
Life is a masquerade (1981).
A paz era a terceira emoção. Amor. Ódio. Paz.
As três emoções eram o fio condutor da vida do homem. Agora o
sacerdote, cuja fala o bigode de algodão em rama dificultava,
adiantava-se e dava a bênção.
Da meada emaranhada da vida, soltai as suas mãos (soltaram-se
as mãos).
Da sua fraqueza, agora não guardemos memória.
Chamai o pisco-de-peito-ruivo e a carriça.
E cubram rosas a mortalha carmesim (desfolharam-se as pétalas
trazidas em cestas de vime).
Cobri-lhe o corpo. Que repouse em paz (e cobriram o cadáver).
Que sobre vós, gentis senhores (o sacerdote dirigia-se ao
ditoso par) queira o Céu derramar as suas bênçãos!
Apressai-vos, pois, antes que o invejoso sol da noite rasgue o
reposteiro.
Que toque a música.
E que o ar livre do Céu te proteja no sono!
Comece a dança.
O gramofone atroou os ares. Os duques, os padres, os pastores, os
peregrinos e os criadores deram-se as mãos e começaram a dançar...
VIRGINIA WOOLF
Entre os Actos
Relógio D'Água Editores, 2012.
Trad. Miguel Serras Pereira
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Entre os Actos é o título do último
romance de Virginia Woolf, publicado quatro meses após o seu suicídio
a 28 de
Março de 1941. Nascida em 25 de Janeiro de 1882, a escritora tinha 59 anos, dois meses e dois dias, quando
se afogou no rio Ouse, a menos de 1 quilómetro de Monk's House, Rodmell, Sussex (cerca de uma hora de
comboio desde Londres).
Consta que a última pessoa que a viu viva foi John Hubbard, empregado de uma
quinta vizinha. Hubbard contou que eram cerca de onze horas e trinta
minutos da manhã, quando Virginia, de bengala, passou por ele em direcção ao rio.
Largou a bengala em que se apoiava, enfiou umas quantas pedras nos bolsos do
sobretudo e entrou na água.
Na sua casa, Virginia deixou cartas para o marido Leonard e para a irmã Vanessa
(Vanessa Bell, pintora, que morava a poucos quilómetros, na Quinta
Charleston). E nessas cartas, ela afirmava ter a certeza de
estar a ficar louca outra vez, dizia que nunca mais ficaria boa e não achava certo continuar
a dar trabalho aos outros.
Para o marido, ela escreveu qualquer coisa
como isto: «Querido, tenho a certeza de que
vou enlouquecer outra vez. De tal modo, que tenho de fazer o que me parece melhor. Não consigo
lutar mais... Foste absolutamente paciente comigo e incrivelmente
bom. Se alguém pudesse salvar-me serias tu.» E termina: «Não
creio que duas pessoas tenham sido mais felizes do que nós o fomos.»

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