de novo o Blitz...
e a generosidade do mal
«The
Luftwaffe was a powerful missionary
for the welfare state.»
AJP TAYLOR,
English History 1914-1945 (Oxford, 1965)

Life in London during the Blitz of World War II in 1939-40 (Londres, 1940).
foto: GEORGE RODGER/Magnum Photos
Alan John Percival Taylor
(1906-1990) foi um jornalista e historiador inglês para quem a
figura de Hitler não era indissociável da secular demoníaca tradição
bélica germânica. Para AJP Taylor a ideia de uma supremacia
alemã, subjacente a qualquer dos episódios das duas grandes guerras,
tem raízes na
dinastia de Habsburgo-Lorena, envolvendo o Sacro Império Romano
e a Áustria, Itália, Hungria, Croácia, Inglaterra, Irlanda,
Espanha, Portugal e até o México no além-mar. Por fim, para Taylor, o dilema das
susceptibilidades
da Alemanha cresceu com as ambiguidades do Tratado de Versalhes
(1919) — suficientemente duro para poder desafiar todo o ódio do povo
alemão e suficientemente brando ao ponto permitir que a Alemanha se tornasse rapidamente numa nova potência
mundial.
Com a chegada de Hitler ao poder, em 1934, o
episódio da vingança só poderia ser materializado com a ideia de uma
Europa em chamas.
Segundo o relato do sobrevivente Bob Holman feito para o jornal The Guardian
no 70º aniversário dos ataques aéreos a Londres, no dia 7 de
Setembro de 1940 cerca de 340 bombardeiros iniciaram uma ofensiva
que durou setenta e seis noites consecutivas e prolongou-se durante
nove meses, provocando entre 50 e 60 mil mortos e um número
indeterminado de feridos. O blitzkrieg (guerra-relâmpago)
estendeu-se por diversas outras cidades
—
Liverpool, Plymouth, Birmingham, Coventry, Glasgow...
— tendo como estratégias aniquilar a capacidade defensiva do Reino
Unido e minar a moral do povo britânico.
Apenas 13
anos depois do fim da Segunda Grande Guerra a Alemanha estava de
novo ao lado da Itália, Holanda, Bélgica,
França e Luxemburgo, no Tratado de Roma, para a defesa de interesses
económicos comuns. Porém, a Perestroika (1985) e a queda do Muro de Berlim
(1989) tanto
alargaram as
fronteiras do novo estado alemão como impuseram aos restantes países da
futura União Europeia o enorme desafio de capitalização das antigas economias
comunistas. O nacional-socialismo deu lugar ao europeu-capitalismo,
e um conjunto de apressadas políticas expansionistas culminou numa fúria
desenfreada de privatizações, com o consequente encarecimento dos
transportes, água, gás, electricidade, educação e saúde, aumento dos
impostos, limitações no acesso à justiça, cortes brutais nos salários
dos trabalhadores, agravamento dos horários de trabalho, eliminação das prestações sociais, diminuição do período de
férias, despedimentos...
Domingo, 12 de Fevereiro de
2012. Pela enésima vez a Grécia
ergueu-se
contra as medidas de
austeridade impostas pelo Banco Central Europeu, o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional: a pressão dos usurários que subsidiam
o Estado alemão à custa dos juros da dívida soberana (180%!)
incendiou Atenas. Enfim, a Alemanha foi retalhada (com o Reichstag em chamas) no final da guerra de 45.
Quererá agora, num
golpe de vingança, alienar Creta e lançar fogo sobre a Acrópole e as cariátides?
Como refere AJP Taylor, a ofensiva dos
aviões da Luftwaffe sobre Londres em 1940 fez restaurar o orgulho do povo
inglês e os princípios do Estado-Providência. Se é verdade que se
pode escrever direito por linhas tortas, retomando a lição da
generosidade do mal, a insuportável pressão incendiária sobre os países
mais pobres
da Europa (Grécia, Portugal, Espanha...) provocará
uma espiral de indignação capaz de comprometer seriamente a hegemonia da Alemanha e
dos
colaboracionistas franceses, fazendo os homens retomarem o seu
caminho na História.
___
"a generosidade do mal"
Bob Holman escreveu para o jornal inglês
The Guardian, em Setembro de 2010, um artigo com o título
«[Londres] Do mal para o bem: o Blitz e o Estado-Providência».
Aquilo a que chamamos generosidade do mal está
patente nas teorias de Frank Prochaska, professor na Universidade de Oxford,
que refere o papel do governo trabalhista de 1945 na retoma dos
valores filantrópicos nos hospitais de Londres, o impulso do
voluntarismo, da caridade e da virtude cívica, decorrentes da
nacionalização dos sectores da saúde e da educação, entre outros. Prochaska (Philanthropy and the Hospitals of London: The King's Fund, 1897-1990, Oxford, 1992),
menciona cerca de 50 hospitais destruídos só na capital da
Inglaterra.
A tese de AJP Taylor («A Luftwaffe foi um poderoso
missionário do Estado do bem-estar», English History 1914-1945,
Londres, 1965) decorre de estudos de Richard M. Titmuss (Problems of Social Policy,
Londres, 1950), que referem a existência de mais de dois milhões de
desalojados, e G. Stephen Spinks (Religion in Britain since 1900,
Londres, 1952), que contabiliza 15 mil edifícios religiosos
seriamente danificados.
"o Reichstag em chamas"
Na verdade, em 1945 o Exército Vermelho
bombardeou o histórico edifício do Sacro Império Romano-Germânico: o verdadeiro incêndio do parlamento alemão ocorreu em 1933 e
serviu de pretexto para a chegada de Hitler ao poder. Para o
bem e para o mal, o fogo continua a ser prenúncio de grandes
mudanças...

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