A
criada da cozinha, a janela, o pequeno quadro de ébano, o cesto grande e o balde de latão (ou cobre)
para as compras, a
bilha do leite e o pequeno forno de barro, o jarro de cerveja com
tampa de estanho, o
cesto pequeno do pão, o pano azul (panos azuis prússia são comuns em
diversas obras de Vermeer), o
aquecedor dos pés em baixo, à direita, com um cupido no friso de
azulejos. E o pormenor do prego na parede. Vermeer foi um hábil criador de quadros minimalistas
e genuínos do quotidiano.
Durante 200 longos anos pouco de soube sobre Vermeer. Proust chamou-lhe
«a esfinge de Delft» (ou «o espectro de Delft»), em referência à cidade onde nasceu, a
poucos quilómetros de Haia, mas principalmente por causa do mistério
que na história da pintura universal se instalou sobre a sua vida e a sua obra.
E, mais tarde, porque
depois de se tornar famoso foi muito cobiçado por falsários.
Entretanto, em 1934, Salvador Dalí pintou um quadro com o título «O Espectro de Vermeer de Delft».
As informações que se conhecem de Vermeer foram recolhidas com laboriosa paciência
da teia de documentos oficiais por Arthur K. Wheelock Jr., um
curador americano especialista em pintura barroca holandesa (Johannes Vermeer, 1981), também pelo francês John Michael Montias (Vermeer and His
Milieu: A Web of Social History, 1989), e ainda pelo britânico Anthony Bailey
(Vermeer: A View of Delft, 2001).
Nasceu a 31 de Outubro de 1632, casou aos 20
anos com a católica Catharina Bolnes, teve 11 filhos (dos quais
sobreviveram sete), e ao que se pensa nunca saiu de Delft, onde a
sua sofrível notoriedade era repartida pelo prática da pintura e
pelo ofício de negociante de arte como o seu pai. E, nisto, grande
parte das explicações para decifrar o mistério que envolve o artista:
1 — trilhado entre o esplendor do Barroco e o
Impressionismo radical; 2 — de alguma forma segregado pelos
comerciantes e aristocratas protestantes (na Holanda calvinista da
época os católicos eram considerados cidadãos de segunda categoria); 3 — dedicado à subsistência duma família numerosa (diz-se que foi um pai
afectuoso); e por isso 4 — austero e parcimonioso na produção
artística.
Em resumo, Vermeer não teve em vida a glória que
merecia. Entre o
bíblico Rembrandt (o fiel retratista), o mestre Fabritius e o genial Van Gogh,
que interesse teria, para o mercado de Delft e para a posteridade, a figura
modesta do tão jovem
artista que pintava duas ou três telas por ano, quase todas marcadas pela melancolia, ainda que
luminosa, da sua pobre janela?
Vermeer foi um hábil criador de quadros
minimalistas e genuínos do quotidiano... Morreu em 1675, com apenas 43 anos. Da sua janela
brotou a enigmática luz de Delft sobre «A Rapariga com Brinco de Pérola»
e «A Criada do Leite», duas das maiores obras-primas da pintura de todos os
tempos.
DA JANELA DE VERMEER #17 pinturas
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"a esfinge de Delft"
Na verdade, o termo «a esfinge de Delft» ou «o espectro de
Delft» é
devido originariamente a Théophile Thoré, o célebre crítico de arte francês
que em 1842 começou a dar projecção à obra de Vermeer.
Em «Un amour de Swann» (Em Busca do Tempo Perdido, 1913-1927), Marcel Proust
faz a mesma referência e insinuou que «Vista de Delft»
(1669-70) seria o mais belo quadro do mundo. Vermeer retratou Delft
a meio caminho da realidade, misturando o antes e depois do terrível
incêndio de 1654, provocado por uma série de explosões numa fábrica de pólvora.
Uma das vítimas foi o famoso pintor Carel Fabritius, que se
encontrava no seu atelier no momento do acidente.
"cobiçado por falsários"
«As cores de Wermeer» ou «as luzes de Vermeer» são expressões
comummente utilizadas para identificar a peculiar pintura de Vermeer. Durante a Segunda Guerra Mundial, um famoso falsário
holandês de nome Henricus van Meegeren conseguiu vender a Hermann
Goering (o impulsivo marechal de Hitler) uma habilidosa tela com
o título «Cristo e a Mulher Adúltera», que atribuiu a Vermeer. Estudos
posteriores sobre o inventário das obras de arte em poder dos nazis
levaram à descoberta da fraude. Diversas outras obras foram
entretanto falsificadas e displicentemente aceites por vários
especialistas (diz-se que Meegeren ganhou uma fortuna ao vender ao Museu Boijmans um outro quadro com a
falsa assinatura de Vermeer), mas muitas décadas depois o novo
curador do Museum Boijmans Van Beuningen de Roterdão, Peter de Jonge, mostrava-se
indignado: «qualquer pessoa que olhe para aquilo vê logo que não é um
Vermeer» [Valdemar Cruz, revista Expresso, 4 de
Agosto de 2001]. E referia: «As diferenças são óbvias, por exemplo
no modo como é utilizada a cor».