Entre 1930 e 1932 serviu o exército
francês em Marrocos, onde
cuidava de um cavalo chamado Arbia. Pouco tempo depois de regressar a Paris
alguém lhe disse:
«desde que te foste embora, o cavalo recusa-se a comer», e por
fim
«deixou-se morrer à fome...»
O próprio Balthus (diz-se) tentou o
suicídio, em 1934, quando pintou
"La Leçon de Guitare".
Consta que foi salvo pelo louco Artaud.
Balthus,
o cavaleiro polaco
foto
MARTINE FRANCK, 1999.
Pouco antes de morrer no fatídico acidente de
automóvel em 1960, Albert Camus fez uma curiosa dedicatória
a Balthazar Michel Klossowski de Rola, que vivia já com algum fausto
no castelo de Chassy, perto de Montreuillon: «a ti que
fazes Primaveras, entrego-te o meu Inverno».
Balthus orgulhava-se da nobreza de conduta dos seus
antepassados («não te esqueças que és um cavaleiro polaco» —
dizia-lhe o pai) e mantinha-se estoicamente fiel a um estranho estilo
figurativo que em Montparnasse fora condenado ao desprezo (Picasso
era, para ele, o carrasco da pintura moderna). Celebrava o seu
aniversário apenas de quatro em quatro anos (nasceu a 29 de
Fevereiro de 1908 e só em 2004 festejaria pela vigésima quarta
vez), e pintava gatos — muito gatos, cúmplices autodidactas —, anjos
— «jeunes filles en fleur», eternas adolescentes — e
espelhos — os anjos iluminados ou, na simbologia esotérica, virgens que recebem a luz de Deus:
nem crianças impúberes que arrastam para a cadeia, nem mulheres
fatais que levam à perdição (Balthus passou por grande sofrimento
quando soube que a sua mãe, a pintora Baladine, era amante do
admirável Rainer Maria Rilke).
Teve muitos amigos famosos: Paul Valéry, Man Ray,
Miró, Camus, Éluard, Giacometti, Dalí, os quatro Andrés: Gide,
Breton, Derain e Malraux... Alguns deles admiravam-no e tinham-no
como uma espécie de
«peregrino de Deus.» Só o dramático Artaud, nos períodos de
maior demência, fazia dele um demónio: considerava-o seu «duplo»,
enviava-lhe «cartas terríveis» e acusava-o de ser
«o causador de todas as suas desgraças.»
Morreu a 18 de Fevereiro de 2001, numa casa
apalaçada dos Alpes suíços — Le Grand-Chalet de Rossinière —, não sem
ter experimentado pelo menos um par de vezes, embora sem agrado (a
tentativa de suicídio? Lição de guitarra?), «o gosto
aristocrático de provocar». Afinal, a sua vida foi uma longa provocação.
BALTHUS — GATOS, ANJOS E ESPELHOS #15 pinturas
____
"28 de Fevereiro"
Rilke escreveu-lhe uma carta, em 1921, onde lembra o episódio de uma novela de um escritor do Cairo, um tal Mr. Blackwood:
«Ele afirma que à meia-noite, entre o fim de um dia e o princípio de outro, existe uma fenda por onde alguém muito ágil poderá introduzir-se para escapar do tempo.» E continuava, mais ou menos assim:
«Esse é o lugar, meu caro B., onde deves meter-te nas noites de 28 de Fevereiro para tomares posse do teu aniversário (...), e que te dará acesso a muitas coisas extraordinárias.»
Foi assim que Balthus começou a ganhar fama de «cavaleiro polaco»,
«fazedor de Primaveras» e «peregrino de Deus».