as coisas
[ um poema de Jorge Luis Borges ]
sob o candeeiro cilíndrico de imitação de seda
púrpura
sussurro-te ao ouvido um poema do cego Borges
(o cego Jorge Luis Borges,
servo na Babilónia e invisível na Lua).
no camiseiro de mogno as fotografias
e aquele teu amuleto pequenino — o menino pobre de
joelhos
a rezar.
e as pétalas — labirínticos afectos nos
bilhetinhos colados
na cabeceira da cama.
e as sombras, os espelhos, os filhos, os bichos
e as coisas (tantas coisas!).
aonde nos voltaremos todos a encontrar?
[22.7.2013]

foto PAOLA AGOSTI
Jorge Luis Borges e o gato Beppo 1980.
A bengala, as moedas, o chaveiro,
a dócil fechadura, as tardias
notas que não lerão os poucos dias
que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
violeta, monumento a uma tarde
sem dúvida inolvidável e já olvidada,
o rubro espelho ocidental em que arde
uma ilusória aurora. Quantas coisas,
limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
nos servem como tácitos escravos,
cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além do nosso esquecimento;
nunca saberão que nos fomos num momento.
JLB
Elogio da Sombra
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«Foram precisas todas as coisas/para
que um dia as nossas mãos se unissem.» JLB, História da
Noite, 1977.
Borges tinha razão: o que poderemos escrever
hoje que não tenha sido escrito já há muito tempo? A melhor
explicação para
tudo isto é talvez porque continuamos a esforçar-nos para
«salvar o mundo», como ele diz em A Cifra, 1981.

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