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a pomba de Cedovim
[ história do amor proibido de Anna
Ludovina ]
foto dos
estúdios WERNER & SON, Dublin (cerca de 1820).
Anna Ludovina tinha 19 anos
quando fugiu pela janela da Casa de Nossa Senhora da Conceição, em Cedovim, Vila Nova de Foz Côa, em 1813. Donzela
de origem fidalga, abdicou das
promessas de um título aristocrático rural para viver um amor que
lhe custou a herança e uma vida de privações...
Quando, na segunda metade do século XVIII, o jovem Francisco
Teixeira fazia acrobacias equestres em frente da janela da filha de
D. Pais de Sande, dono de um palácio senhorial às portas de S. João
da Pesqueira, este fez-lhe saber que «o pombal de Cedovim não era
digno das pombas da Casa do Cabo...»
Francisco Xavier Teixeira tinha, porém, uma
origem nobre, e agastado com esta recusa juntou um exército de
pedreiros e mandou reconstruir a sua casa, ampliando-a até a
transformar num dos mais vistosos solares setecentistas do Douro e Beira
Interior. Ao todo, consta que o edifício ficou com 366 portas e janelas,
e na fachada principal foi gravado em pedra o Brasão de Armas dos Teixeiras e Aguilar. Nos
princípios de 1800, D. Francisco Teixeira Rebelo Bravo Cardoso Pacheco de Aguilar,
descendente de Francisco Xavier, era Capitão-Mor de Castro Daire,
Senhor das Casas e Morgados de Cedovim e Moço Fidalgo da Casa Real
(mais tarde Cavaleiro, por alvará de D. João VI). Juntamente com a
sua esposa, Maria Ludovina de Lemos Alvim e Carvalho, possuíam um vasto lote
de terras de origem feudal.
Entre Dezembro de 1812 e Fevereiro de 1813, quando se
esperava a entrada das tropas de
Napoleão por território duriense, a então Casa de Nossa Senhora da
Conceição, em Cedovim, como também a Casa do Cabo, de S. João da
Pesqueira, e outras famosas moradias da região, foram abrigo dos soldados ingleses que vieram
engrossar o contingente português. Ciosa de um destino nobre para as suas três filhas
solteiras, Dona Maria Ludovina tentou protegê-las dos olhares
dos jovens soldados ao serviço de Sir William Anson, que liderava o
40º Regimento britânico, aquartelado em Cedovim com o intuito de impedir os
franceses de criarem aqui — entre o Minho e o Douro — a Lusitânia
Setentrional, destinada a ser governada pela Infanta Maria Luísa
Josefa, filha de Carlos IV de
Espanha. E se às duas filhas mais
velhas couberam casamentos que lhes deram títulos e mordomias (Maria do Carmo
veio a ser Condessa de Samodães e Maria Josefa Baronesa de Fornos),
à mais nova, Anna Ludovina — uma bonita donzela com apenas 19 anos —
haveria de caber destino bastante diverso.
Por essa altura, todos os dias Dona Maria Ludovina saía de
sua casa com as três filhas numa imponente liteira em direcção à
capela de Cedovim. Não se sabendo bem porquê, um jovem tenente de
origem irlandesa, Waldron Kelly, tornou-se devoto praticante, apesar
das reservas de Sir Arthur Wellesley (comandante supremo, que haveria de
ser Duque de Wellington, Marquês e Barão do Douro), a quem não agradava a interferência dos
padres portugueses junto das suas tropas para os ofícios da santa missa.
Porque decerto — apesar de todas as restrições — não
terá escapado ao oficial de Dublin a desconcertante beleza da filha
mais nova dos Teixeiras e Aguilar, em pouco tempo Waldron Kelly e
Anna Ludovina passaram a trocar clandestinas promessas de amor,
frutos de uma paixão consumada.
Porém, a turbulência em volta dos
destinos do exército britânico ao serviço da Coroa portuguesa
prometia sucessivos afastamentos. Assim, quando
o tenente Kelly se preparava para uma missão militar longe de
Cedovim, aproveitando a ocasião de um baile militar em Figueira de
Castelo Rodrigo, dirigiu-se a casa de Anna com dois cúmplices e,
conforme previamente haviam combinado, na noite de 13 para 14 de
Março de 1813 esperou-a com uma escada por baixo de uma das janelas do seu
quarto. Aproveitando a calada da noite, fugiram a cavalo para Mata de Lobos,
perto da região fronteiriça de La Fregeneda, onde o exército estava
em expectativa.
Furiosa, Dona Maria Ludovina moveu-lhes cerrada
perseguição, e ao tenente irlandês não restou mais do que ser
detido porque os seus superiores achavam que ele «deveria estar a pensar em coisas mais importantes do que em casamentos».
O Duque de Wellington esteve pessoalmente envolvido
na defesa dos interesses da mãe da jovem Ludovina, e solicitou
explicações aos seus subordinados, que lhe foram dadas em carta datada de
19 de Março: «Sir, a mãe da donzela levada de casa pelo tenente Kelly do 40º Regimento queixou-se da sua conduta e pediu a minha ajuda para retirar a filha dessa situação de desgraça em que agora está colocada. Consenti em intervir, com a condição e promessa da parte dela, de que a rapariga não será confinada a um convento. Junto remeto a carta da senhora, na qual ela se compromete a cumprir essa disposição, e peço-lhe para chamar o tenente Kelly
para devolver a menina à sua família...» (assinado pelo major-general Sir Lowry Galbraith Cole,
futuro governador do Cabo da Boa Esperança).
O que se passou a seguir foi uma vertiginosa sucessão de
factos mais ou menos previsíveis. Dona Maria Ludovina
prometeu a
intervenção da Coroa para punir os prevaricadores e chegou a ameaçar
pessoalmente o Duque de Wellington. Em sua casa, mandou emparedar as
duas janelas do quarto da filha proscrita, supondo que conseguiria reavê-la e
expô-la à clausura. E embora acreditando poder proibir o casamento
em qualquer das igrejas da região, o certo é que Anna Ludovina e o tenente Waldron Kelly contraíram
matrimónio, a 22 desse mesmo mês de Março, na igreja de Figueira de
Castelo Rodrigo, com a bênção de João Gomes, então capelão do exército
português.
Cumprindo-se uma das mais violentas promessas de Dona
Maria Ludovina, a 25 de Maio desse mesmo ano de 1813 foi decretada em
Lisboa a ordem de expulsão do Padre João José Gomes do Serviço Real, «por conduta imprópria».
Quanto a Anna, estava definitivamente deserdada.
EPÍLOGO
Anna Ludovina seguiu com regularidade o seu marido
nas diversas campanhas do exército britânico: Victoria, Zabaldica e
Pirinéus, Toulouse, New Orleans (quando o armistício na América já
havia sido assinado) e Waterloo. Fiel ao casamento,
teve sete filhos, até que Waldron Kelly — já capitão — decidiu afastar-se da
carreira militar para se dedicar a uma propriedade agrícola que arrendaram em Maudlin Cottage, no Condado de Kildare,
Irlanda.
Entretanto, os negócios agrícolas da família Kelly
ruíram e o antigo oficial do exército britânico abandonou a esposa
para se juntar com outra mulher, clandestinamente, de quem teve
filhos. Partiu mais tarde para a Jamaica, onde viria a morrer com 55
anos de idade, em 1836.
Anna Ludovina de Lemos Pacheco Teixeira de Aguilar
Kelly só soube da morte do seu único marido onze anos mais tarde.
Passou por diversas privações (chegou a vir a Portugal reclamar
parte da herança após a morte do pai, mas sem sucesso), até
que conseguiu da própria rainha Victoria, ainda com a interferência do
Duque de Wellington, uma pensão mensal de 50 libras.
Já praticamente cega, faleceu de bronquite aos 89 anos, a 4 de Abril
de 1883, e foi sepultada no cemitério de Glasnevin, em Dublin.
Abandonada e em ruínas, a famosa Casa de Nossa
Senhora da Conceição ostenta ainda hoje emparedadas as duas janelas
do quarto de Anna, como símbolo da clausura que estava destinada à
'pomba libertina' dos senhores de Cedovim...
Por muitos anos constou ainda, em toda a região, que
a donzela havia sido raptada, mentira que conviria à família para encobrir a
vergonha.
______
Texto concebido com a
prestimosa colaboração do senhor Arnaldo Pinto Salgado, tetraneto de
Anna Ludovina Kelly.

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